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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Eu, Helena e a Polícia...


Dia 29 de dezembro de 2009, 5:30 da manhã, vindo da cidade de Santo André acabo de chegar na minha cidade natal; não chego sozinho, estou acompanhado de uma bela menina de cabelos cacheados como os da mãe, e humor matutino semelhante ao do pai, seu nome é Helena. Ela tem apenas 2 anos e meio, é minha filha; com o rostinho todo amaçado de quem acaba de acordar, olha ao redor para a 2ª maior rodoviária do país (em movimentação), a Rodoviária Novo Rio.
Fui para o Rio pra rever a família, encontrar os amigos, matar a saudade da Cidade Maravilhosa. Descemos do ônibus, à segurei pela mão e me dirigi ao bagageiro da condução, peguei as duas mochilas enormes de coisas para mim e para Helena, além é claro (e quem é “mãe/pai” sabe) da bolsa tira-colo com um monte de coisinhas de uso imediato, fraldas, pomada, lenço umedecido, mamadeira, uma muda de roupa, cobertorzinho por conta do ar condicionado do ônibus, e é claro documentos de identificação... Com esse monte de bolsas, fiquei impossibilitado de segurar minha “neguinha” no colo, consigo deixar uma mão livre para conduzi-la ao meu lado, saímos em meio a multidão de viajantes que chegam e que vão, entre amigos, pais e irmãos, mães, maridos, namorados, que esperam e aguardam... Afinal é fim de ano, estamos as vésperas do dia 31 de dezembro, virada de ano, ano novo. Todos viajam, todos chegam, todos esperam.
Sinto um pequeno puxão no braço e uma vozinha no meio do murmurio ensurdecedor dos viajantes; minha pequena com um olhar aflito me chama e pede, “pai quero fazer xixi”... ela está de fraldas, mas são as mesmas desde a noite anterior quando pegamos o ônibus em Santo André... eu sei que preciso troca-la... respondo a ela _ Segura um pouco “neguinha”, a gente já, já arranja um banheiro. Sigo com ela até a entrada dos banheiros da rodoviária, e me deparo com uma senhora colocada ali para cobrar pelo uso dos banheiros, e pergunto a ela por um “fraldário”, onde minha filha possa fazer “xixi” e eu possa troca-la; ao que ela responde que sim, existe, mais no banheiro feminino, onde é claro, eu não poderia acompanha-la; mais que se eu quisesse poderia aguardar um pouco, que viria uma funcionaria que poderia levar a menina até o “fraldário”. Fiquei de fato muito perplexo! Que mãe/pai em sã consciência poderia simplesmente no meio daquele mundo de gente, indo e vindo, acabar de chegar em uma cidade como o Rio de Janeiro, e deixar sua filha de 2 anos e meio com uma pessoa estranha, perguntei, como assim? Não haveria um outro lugar que eu “homem”, viajando com minha filha, poderia leva-la para ir ao banheiro e se trocar?
Naquele momento sinto outro pequeno puxão no braço e olho na direção da “neguinha”, que me diz entre lagrimas _ “Helena já fez papai”. Ela chorava, por que esta aprendendo a ir ao banheiro e sabe que não é “legal fazer nas calças”. Dessa forma em viajens longas, e como quando dorme ele ainda não tem pleno controle do momento de ir ou não ao banheiro, ela estava de fralda; nesse momento estava encharcada, e agora transbordava para suas calças e isso a incomodava muito. Soltei as bolsas e a levantei no colo tentando consola-la e percebi o quanto sua calça estava molhada, chegando a molhar seu tênis. Enquanto isso a senhora no “guichê” do banheiro, dizia que não podia fazer nada para ajudar.
Peguei Helena e segurando-a pela mão, acomodei as bolsas e subimos para o segundo piso, onde procuramos outro banheiro ou ao menos um cantinho mais vazio da Rodoviária que eu pudesse, nessa altura do campeonato, troca-la. Chegando próximo de um banheiro aparentemente sem movimento, encontrei um segurança e pedi a ele também ajuda para resolver esse problema, que até me parecia simples de ser resolvido por algum funcionário de uma Rodoviária daquele porte. Ele me informa que infelizmente aqueles banheiros estavam fechados e ele não poderia abri-los para que eu usa-se sem uma autorização “superior”, ainda que entendesse minha situação. Me orientou que procurasse o setor de informações da Rodoviária, que fica na entrada de frente para a Av. Perimetral. Que lá, dizendo do que se tratava, a pessoa ali me orientaria onde poderia enfim fazer a higiene de minha filha. Lá fui eu mais uma vez com um monte de bolsas, neguinha em uma das mãos, corredores cheios, pessoas dormindo pelo chão, outras nas filas das empresas de ônibus... descemos as escadas rolantes, contornamos o pátio, onde motoristas de taxi quase te empurram para dentro dos veículos; paramos diante do guichê de informações, e expliquei a situação por que estava passando, e outra senhora que ali estava, me diz que também não poderia fazer nada, que seu quisesse, tenta-se troca-la nos bancos próximos ao guichê... Olhei na direção que me apontava, e não diferente dos demais espaços da Rodoviária, com todos os lugares ocupados, alguns dormindo sentados, bolsas, mochilas e pessoas “lanchando”; e era ali naquele ambiente exposto, onde eu deveria retirar as roupas sujas de minha filha, trocar suas fraldas encharcadas e talvez sujas não apenas de “xixi”.
Não porque não houvesse um lugar, mais porque sou homem, e acesso a “Fraldário” é coisa de “Mulher”; assim minha filha que tem o direito a segurança da companhia familiar do pai/mãe, teve esse direito negado, ao mesmo tempo que se caracteriza uma situação de preconceito sexista do direito a paternidade, onde dentro de uma estrutura (estou falando de construção física mesmo – Prédio, além de cultural é claro) machista do que deve ser papel de homens e mulheres; vi minha filha suja, e já cabisbaixa por ter feito suas “necessidades” nas calças, e olha que ela só tem 2 anos e meio.
Nesse momento já muito indignado com a inércia e falta de atitude dos funcionários daquela Rodoviária, sem a menor vontade de expor ainda mais a minha filha, passei enfrente a uma escada com uma placa informando o acesso a “Vara da Infância” e ao “Posto Policial”. Este acesso parecia sem movimento, e juro que dada a situação pensei _ “vou subir, se encontrar um desses locais abertos pedirei ajuda a eles”, torcendo para que a Vara da Infância estivesse aberta, pois afinal sou carioca, e não temos, infelizmente, muito boas histórias que envolvam a polícia (militar ou civil).
Chegando no segundo piso, me deparei com um corredor estreito com todas as portas fechadas inclusive a da “Vara da Infância”, seguindo direto para o Posto Policial. A essa hora, sem muitas opções segui adiante até a porta de vidro do “Posto”, chamei o policial que estava de plantão, me apresentei e falei da situação que nos encontrávamos eu e Helena, e sem muitas perguntas de forma muito prestativa e solicita, nos deixou usar o espaço do dormitório dos policiais para que trocasse a menina. Deixei minhas bolsas na entrada do Posto, e com a bolsa a tira-colo fui com a neguinha até o local e a troquei. Não demoramos quase nada lá, em um espaço com alguns armários de metal e uma cama beliche com colchões bastante usados pude enfim fazer a higiene da Helena. Me despedi do policial, lhe desejei feliz ano novo e fui embora. Não perguntei seu nome, não sei sua patente, sua idade, nada... não sei nada sobre ele mesmo; eram 6:15 da manhã.
Desde então estou com esta história na cabeça, com este sentimento de que deveria voltar lá e agradecer mais uma vez aquele policial. E porque isso?
Eu diria que pela simples razão que é o certo a fazer, e creio que foi isso que ele pensou, quando no meio de tanta gente indo e vindo na rodoviária do Rio, resolveu que deveria me ajudar. Por que ele resolveu fazer oque era certo!
Talvez seja porque sendo eu Assistente Social, conheço um pouco sobre direitos sociais; e da mesmo forma conheço e já vi um pouco de suas violações em suas diferentes formas. Por que sei, na minha relação e história de vida profissional o quanto a instituição “Policial” é alvo de críticas, sobre corrupção, abusos e agressividade desnecessária; críticas inclusive minhas. Porque morando a quase 6 anos fora do Rio, à dois anos em Sto André (Grande São Paulo), as notícias sobre cidade do Rio e a ação policial que nos chegam quase nunca são boas... Porque no último domingo, li um artigo do empresário Emílio Odebrecht, no Jornal Folha de São Paulo (10/01/2010), criticando veementemente a imprensa nacional pelo fato de apenas noticiar as coisas ruins de um país que, vem sendo “noticia” na imprensa internacional como um país que dá certo em todos os aspectos, sem negar em momento algum todas os problemas internos que devem ser enfrentados e divulgados amplamente. Por que nesse artigo, ele dizia que,“...tornar públicas as mazelas é obrigação da imprensa em um país livre. Mas falar somente do que há de ruim na vida nacional, dia após dia, alimenta e realimenta a visão negativa que o brasileiro ainda tem de si.”
E por isso, mesmo não sendo imprensa; e até por isso! Resolvi escrever e divulgar essa história verdadeira. Não por que se passou comigo... mais principalmente, por que após mais de um ano sem ir até a “Cidade Maravilhosa”, retorno a ela com minha filha, sem a companhia de minha esposa, que continuaria trabalhando até dia 30 de dezembro; e me encontrando em meio a um problema “aparentemente simples”; me vejo acolhido e auxiliado por um representante de umas das instituições que tem uma das piores avaliações por parte da população, e no Rio de Janeiro, considerada como uma das mais violentas.
O policial, em uma escolha que a princípio, nada tem haver com sua atribuição original, nos garantiu direitos, a mim e a Helena. Escrevo isso, para agradece-lo, e através dele, a toda a instituição policial, sem negar as falhas, as dificuldades... Mais exaltar não as coisas ruins, porém as coisas boas, que podem até parecer uma “obrigação”, que poucos notam, mais que faz muita diferença na construção de uma sociedade mais justa e melhor. Obrigado Soldado!

José Adriano M C Marinho
Assistente Social
Professor na Universidade de Guarulhos – UNG
Assessoria Técnica da Secretaria de Inclusão Social do Município de Santo André.

11 comentários:

  1. Oi Adriano,

    A pequena Helena cresceu e está linda.
    Creio que sua postura em relatar o fato que viuvenciaram é muito oportuno para todos. é recompensador encontrar ajuda/apoio onde não acreditávamos muito espantoso a incompreensão daqueles que poderiam ter ajudado mais espondo a pequena Helena a tanto desconforto.

    ABÇ

    Neide

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  2. São essas situações que nosso cotidiano louco cria em nossas vidas e que nos fazem refletir o quanto é importante pensar no próximo e esquecer um pouco do nosso umbigo. Também sou pai, numa situação como essas não exitaria em me encostar em um canto qualquer onde não viesse atrapalhar o tráfego das pessoas, despiria meu filho, o limparia e mudaria sua roupa sem qualquer receio, pois vivo em São Paulo e sei que as pessoas olham, criticam muitas vezes mas nada fazem para mudar as coisas erradas, e assim como os funcionários nada fizeram para ajudá-lo, demonstrando não ligarem para sua necessidade, certamente não ligariam para uma pessoa trocando o seu filho ou filha no meio da multidão.

    Talvez meu comentário esteja contaminado pela frieza de São Paulo, talvez seja só o comentário de alguém moldado pela vida dificil em uma grande cidade.

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  3. Não meu camarada, não creio que seja frieza, meu raciocinio tambem foi esse, mais tambem achei uma sacanagem aquela Rodoviaria não ter espaço adequado para situacoes assim, fiz minha busca e se realmente não tivesse encontrado aquele policial, faria que tinha de fazer de forma mais pragmatica, da forma como vc comentou.
    Abracos,

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  4. Meu irmão e querida neguinha,
    Acompanhei com muita preocupação toda essa situação. É uma pena que os gestores públicos, ao programarem obras de melhoria para a população, esquecem a necessidade de pensar espaços realmente públicos. Isso é reflexo de uma concepção de sociedade machista e que acredita que a função de cuidar de uma criança é apenas das mães... Vou encaminhar o seu depoimento e tornar público esse grave problema.
    Beijos e abraços

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  5. Oi Adriano!!!!!

    Um amigo meu passou por situação muito parecida com a sua, há mais ou menos 10 anos, na cidade de SP, mais precisamente num dos shoppings.
    Na época ele estava divorciado e ao exercer o direito de estar com a filha de quase dois anos a cada 15 dias, foi com ela a um shopping e quando tentou acessar um fraldário para trocar a fralda da pequena deparou-se com a questão do fraldário estar instalado no banheiro feminino.
    Depois de muita discussão, a administração do shopping interditou o banheiro feminino para o acesso às mulheres para que, enfim ele pudesse cuidar da higiene da filha com dignidade e respeito.
    Quanto à atitude do policial que o atendeu, faço minhas as suas palavras.
    abraços

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  6. oi Adriano, imagino sua situação. Eu ficaria louca da vida com essas pessoas. E realmente não é legal levar uma menininha no banheiro masculino. Essa história do frandário ser dentro do feminino é relamente sexiste e desatualizada da nossa realidade. Felizmente deu tudo certo. ´Fico feliz de ver o pai dedicado que se tornou. Ah, e sua neguinha está linda!!!! Bjs, Dani

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  7. Parabéns pela iniciativa de escrever e divulgar essa situação e em todas as profissões existem os bons e os maus profissionais. Ainda acredito nas pessoas e que existem muitas pessoas justas e acolhedoras. Por outro lado, pena que o preconceito e regras já instaladas na sociedade são tão conservadoras, portanto temos o papel e obrigação de construir uma sociedade diferente. Quanto ao local ser público, sem comentários para a gestão dessa infraestrutura e consequentemente falta de sensibilidade.

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  8. Hoje ao ler o seu relato, vejo um Adriano humano onde as vezes lutamos por tantas coisas e esquecemos os detalhes e esses pequenos detalhes nos constrangem e nos deixa perplexos com a realidade da vida. Pensamos que isso acontece só com os outros, mas meu marido já passou por isso e ficou desesperado e hoje ele escolhe os lugares para ir (um absurdo). temos que lutar pelos nossos direitos!! Seja ele qual for.
    Sempre leio o seu blog ele é muito interessante!!
    Um feliz 2010!!

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  9. Fiquei comovida pela sua história e notei que atrás de um professor, há um um ser humano!!
    Realmente temos que divulgar esses absurdos e lutar pelos nossos direitos!
    Irei sentir sua falta, pois ficará marcado na minha memória.
    Um feliz 2010.

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  10. Que bom que tudo terminou bem..! apesar de toda a dificuladade e devido sua experência.
    Fiquei imaginando um cidadão que não têm a menor informação sobre direitos mais básicos, jamais encontraria um boa saída.

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  11. Que bom que tudo terminou bem..! apesar de toda a dificuldade e devido sua experiência.
    Fiquei imaginando um cidadão que mão têm a menor informação sobre os diretos mais básicos, jamais encontraria uma boa saída.

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