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domingo, 23 de novembro de 2014

Crack - Tudo o que sabíamos sobre ele estava errado

Esta matéria chegou até a mim através de compartilhamento feito pela minha amiga Assistente Social Nivea Oliveira.

Em novo livro, um neurocientista improvável revela que estávamos completamente equivocados no combate ao crack.

Por Denis Russo Burgierman e Cristine Kist

Publicado em julho/2014 na revista Super Interessante

"Por que eu estou aqui de jaleco branco, enquanto esse sujeito está fumando crack?"

Foi essa a pergunta que surgiu na cabeça do neurocientista Carl Hart, em 1998, enquanto ele tomava notas de suas observações para a pesquisa sobre efeitos do crack que estava realizando no Hospital da Universidade Columbia, em Nova York.

Hart era um cientista respeitável de Columbia, com três pós-doutorados, o primeiro negro a ser contratado como professor titular na área de ciências desta que é uma das melhores e mais tradicionais universidades americanas. O homem à sua frente era negro também, também na quarta década de vida, embora sua expressão indicasse muito mais idade. Era um vendedor ambulante, que tinha o hábito frequente de fumar crack nas ruas de Nova York, e que tinha concordado em participar da pesquisa em troca de droga grátis e algum dinheiro.

Os dois não poderiam estar em situação mais diferente. Mas Hart sabia bem que, por pouco, ele próprio tinha escapado do destino do outro. É essa a história que ele conta no livro Um Preço Muito Alto, que demole vários mitos sobre o crack.

Como ele escapou

Nos anos 80, quando estava no ensino médio, num bairro pobre de Miami, o pai alcoólatra, a mãe desequilibrada, cada um numa casa, a vida sem perspectivas, Hart traficava maconha. Ele circulava com um fuzil no porta-malas, ameaçava brancos que se aventurassem pelo bairro, roubava baterias de lojas de autopeças e televisores da casa dos vizinhos.

Por sorte (e por ser jogador de basquete e futebol americano e, portanto, correr bem), nunca foi pego. Se fosse, a ficha suja acabaria com suas chances de sucesso. A maioria das pessoas à sua volta - amigos e família - saiu-se pior. Uns se afundaram no crack, outros mofaram na cadeia. Um morreu com um buraco de bala numa execução na rua.

Hart usou drogas e tomou todas as decisões erradas possíveis. Mas encontrou um caminho para uma vida produtiva, de pagador de impostos e educador da juventude. "Foi sorte", admite. Mas não só sorte. Hart se salvou agarrando-se a oportunidades que apareceram. Primeiro: ele tinha jeito com matemática - e descobriu ainda adolescente o prazer de ser bom em algo.

Segundo: teve na família algumas referências sólidas de valores. Uma avó ensinou-lhe a ética do trabalho duro, outra transmitiu-lhe a importância de obter uma educação. Graças a isso, quando terminou o ensino médio e se deu conta de que o sonho de ser atleta profissional não passava de ilusão, ele teve forças para entrar na Força Aérea. No quartel, pôde começar uma faculdade, viajar o mundo e conhecer algumas referências de negros de sucesso, algo que não existia em seu bairro.

Terceiro: ele teve chances. Havia vagas em universidades de primeiro time para gente talentosa que viesse de uma vida miserável. Hart foi estudar na prestigiosa (e caríssima) Yale, com bolsa. Encontrou mentores que o guiaram e descobriu que, além do talento matemático, ele tinha capacidade de observação e habilidade para fazer cirurgia cerebral em ratos de laboratório. E aí uma carreira acadêmica se abriu para ele.

Ele decidiu tornar-se especialista nos efeitos do crack, para entender como a droga tinha destruído sua comunidade. E virou um neurocientista improvável, com seus dreadlocks e os três dentes de ouro, lembranças dos tempos de pobreza.

Enquanto Hart avançava na carreira, um incômodo crescia. Ao mesmo tempo em que se aprofundava nos dados científicos, ele acompanhava o debate público sobre a droga. Todo mundo dizia que o crack transformava pessoas em zumbis. Que era uma epidemia se alastrando. Que viciava logo na primeira vez que alguém experimentasse. Que matava em poucos anos e que transformava gente comum em criminosos.

O problema é que nenhuma dessas certezas tão repetidas estava de acordo com o que ele observava no laboratório.

"Procuram-se crackeiros"

"Procuram-se usuários de crack que não estejam dispostos a parar de fumar." Era esse o texto do anúncio que Hart publicou num jornal gratuito de Nova York, em setembro de 1998.

Sua ideia era ousada: dar crack a pessoas que já eram usuárias e pretendiam continuar (não seria ético fornecer droga a um não-usuário ou a alguém que estivesse tentando parar). Dessa forma, ele poderia observar os efeitos de maneira científica, controlada, objetiva. Não foi fácil aprovar o estudo, dadas as complicações éticas e a dificuldade de financiamento para um projeto tão polêmico. Mas Hart conseguiu porque já tinha uma reputação na área e o apoio de uma universidade respeitada.

Foi assim que começou seu projeto de registrar cientificamente os efeitos do crack, em vez de acreditar no que se dizia na TV. Por meses, ele deu doses de crack ou placebo (para comparação) a vários sujeitos. Eles então eram convidados a escolher entre mais crack ou outra coisa (dinheiro, por exemplo). Hart percebeu que os usuários são sim capazes de tomar decisões. Se a alternativa era boa, eles abriam mão do crack.

"Como qualquer um de nós, dependentes não são sensíveis a só um tipo de prazer", escreveu. O vício realmente "estreita o foco" - um "crackeiro" tem mais dificuldade de achar graça em outras coisas, assim como um faminto prioriza comida. "Mas o vício grave não transforma a pessoa num ser incapaz de reagir a outro tipo de incentivo", diz. Mesmo na fissura, um dependente é capaz de tomar decisões racionais, quando a alternativa compensa. Ele não se transforma num zumbi criminoso.

Essa descoberta está de acordo com pesquisas feitas com ratos pelo canadense Bruce Alexander. Ratos mantidos sozinhos em gaiolas apertadas, quando recebem crack, drogam-se tanto que às vezes se esquecem de comer e morrem. Mas, se a gaiola tiver diversão, interação social e um cantinho para ficar a sós com as ratinhas, eles acabam escolhendo os prazeres alternativos e deixam a droga de lado.

O problema é que, em muitos lugares, como no bairro onde Hart cresceu, não há muitas alternativas que compensem. Dependentes de crack não são irracionais: são pessoas que não enxergam saída na vida e que optam por fugir do estado consciente, ainda que isso lhes faça muito mal e possa matá-los. O próprio Hart escapou das drogas não porque ficou longe delas, mas porque encontrou outros interesses, que o motivaram a trabalhar duro.

"Crack não vicia muito"

Em maio último, Hart veio ao Brasil para lançar o livro. Uma noite ele participou de um debate com o médico Drauzio Varella, numa livraria de São Paulo. Drauzio, que passou décadas trabalhando em cadeias, deu um depoimento que chocou o público: "uma coisa que eu percebi olhando os presos é que o crack na realidade não vicia muito".

Mas como? Não se diz que o crack vicia automaticamente, logo na primeira vez? Pois, segundo os dados, isso é outro mito: simplesmente não é verdade. "Oitenta por cento dos que experimentam não se viciam", diz Hart. "Largar o cigarro é mais difícil que largar o crack", concordou Drauzio.

Mas, para conseguir largar, é preciso ter o que Hart chama de "reforço alternativo" - uma outra opção, que seja atraente o suficiente. Por exemplo: família, uma carreira interessante, uma paixão, algo que motive a largar a fumaça inebriante.

Para as pessoas que estão na rua, sem perspectiva, não há reforço alternativo. Ficar sem crack, para eles, é pior, porque obriga-os a conviver de cara limpa com a sujeira, a desesperança, a violência. Por isso que, embora crack seja usado por gente de todas as classes e etnias, os brancos e os de classe média geralmente não se viciam, porque têm algo a mais a esperar da vida. Quase sempre quem se dá mal são os mais pobres, os que vêm de famílias desestruturadas e os membros de minorias raciais.

Hart sabe disso não só pelas suas pesquisas, mas por sua história. "É impossível crescer num mundo que despreza pessoas que têm a sua aparência e não sucumbir secretamente à insegurança", escreveu. Ele próprio acreditou que, por ser negro num bairro pobre, jamais poderia aspirar muito. Mas, à medida que portas foram se abrindo e ele foi entrando, Hart recebeu "reforços positivos", que foram condicionando-o a continuar tentando. É psicologia básica.

Os dados ajudam a enxergar a desigualdade racial dos danos ligados ao crack. Nos EUA, 52% dos usuários são brancos, enquanto só 15% são negros. Mas, entre os que acabam sendo presos, 79% são negros e só 10% são brancos. No Brasil também, a imensa maioria de quem chega ao fundo do poço é negra ou mestiça. Segundo uma pesquisa recente da Fiocruz, 80% da população das chamadas cracolândias tem pele escura.

"Acho ofensivo vocês brasileiros chamarem as cenas de uso de cracolândia", disse Hart na livraria. "Passa a ideia de que tudo o que acontece lá é por culpa do crack. E não é. O que está acontecendo lá é desespero, é racismo, é pobreza. O crack não cria a pobreza." Na realidade, o uso excessivo é consequência, não causa, das cenas degradantes.

Outra ideia disseminada é a de que há uma "epidemia" de crack. Segundo Hart, trata-se de outro mito. Os números da Fiocruz mostram que há 370 mil usuários de crack nas capitais do País. Se extrapolarmos esse número para todas as cidades do Brasil, chegaríamos a 700 mil usuários - número provavelmente exagerado porque o crack ataca mais as cidades grandes. É muito, mas longe de ser uma epidemia - não chega a 0,4% da população. E não está crescendo de maneira explosiva.

Há sim um alastramento do vício em crack entre os mais pobres, desestruturados e desesperados. Mas isso não vira epidemia porque o vício não se alastra para fora desses grupos.

Como vencer?

O Brasil tentou vencer o crack com repressão. A polícia prendia os usuários que viviam na rua, queimava seus barracos improvisados, levava-os algemados a um tratamento compulsório. O resultado foi que as cenas de uso, antes concentradas, se espalharam por toda parte. As pessoas que eram forçadas a se tratar podiam até parar por algum tempo, mas, sem "reforço alternativo", acabavam voltando para a rua. Afinal, sempre haverá um beco escuro para se drogar. E sempre haverá uma pedra de crack para comprar, já que é impossível vigiar toda a imensa fronteira entre a Amazônia brasileira e os países produtores de cocaína - Bolívia, Colômbia e Peru.

Como todo mundo diz que crackeiros são "zumbis", eles próprios acabam muitas vezes acreditando nessa visão, e se julgando incapazes de escapar- aí não têm motivação nem para tentar. Assim, as cracolândias vão ficando maiores e mais comuns. Foi o que aconteceu nos últimos 15 anos no Brasil.

Ultimamente, algumas cidades começam a se dar conta disso, inspiradas por experiências de outros países. Em São Paulo, 2014 começou com uma nova estratégia na região da Luz, a primeira cracolândia brasileira. A ideia central do programa Braços Abertos é tratar as pessoas vivendo na rua como gente. A prefeitura disponibilizou chuveiros, passou a oferecer atendimento médico, cedeu quartos em pequenos hotéis da região a 400 dependentes que queriam melhorar de vida, e agora está ajudando-os a regularizar seus documentos.

Vários dos ex-moradores da rua passaram a trabalhar na varrição das vias, com remuneração. O resultado é um ambiente um pouco menos degradante. Cento e vinte dos usuários já têm carteira de trabalho. Quarenta deles estão prestes a conquistar um emprego, fora dali. Reforço positivo.

Numa segunda de manhã, vou passear pela região. Entro em alguns dos hotéis: simples, mas dignos. Ando pelas ruas e vejo, aqui e ali, alguma beleza. Converso com as pessoas. Há muitos problemas ainda - desconfiança mútua entre usuários e governo, rivalidade entre a prefeitura (do PT) e o Estado (do PSDB), dúvidas quanto à qualificação de quem trabalha no programa. Mas o número de usuários na rua diminuiu, a sensação de segurança aumentou. Há alguma esperança no ar.

Mundo real

Quando chegou ao Brasil, Hart avisou que não veio para cá apenas para conversar com médicos. Queria ver o mundo real. Foi visitar uma das cenas de uso de crack mais terríveis do Brasil: a cracolândia da favela de Manguinhos, no Rio, um canto que a própria favela segrega.

No última dia dele em São Paulo, ofereço uma carona até o aeroporto. Foi o único horário que consegui em sua agenda, em meio a reuniões, debates em livrarias e visitas a cracolândias. Pergunto se ele se chocou com o que viu. Ele não parecia surpreso. "É a mesma cena de pobreza no mundo todo", diz.

Pergunto se ele não tem medo de que a exposição de sua vida pessoal prejudique a carreira que ele construiu com tanto esforço. "Eu costumava ter esse medo, sim", ele responde. "Mas já tenho 47 anos e é minha obrigação contar o que eu sei. Se eu não fizesse isso, minha consciência não me deixaria olhar no espelho." Ele acha que boa parte de seus colegas é omissa. "A ciência já compreende há 20 anos a farmacologia do crack, mas as pessoas que sabem permanecem em silêncio." Hart chama a ciência de "clube de elite", sem muito interesse pelos problemas dos negros e dos mais pobres. "Além disso, muitos cientistas se beneficiam dessa perspectiva errada, porque o governo gasta uma fortuna combatendo as drogas e esse dinheiro acaba financiando suas pesquisas."

Assim, gasta-se muito, não resolve-se nada. Afinal, não é o exército, nem o governo, nem a polícia que vão vencer o crack. É cada usuário, cada dependente, tendo como arma apenas a vontade que encontrar dentro de si. Só o que o resto da sociedade pode fazer é oferecer incentivos que sirvam de reforço, e informação confiável que aumente sua capacidade racional de decidir melhor.

Mito número 1 - Há uma epidemia de crack, que transforma uma multidão de pessoas em zumbis sem vontade própria.

A verdade - Não é uma epidemia, já que ela não se alastra. E usuários não são zumbis - se têm oportunidades, são capazes de largar a droga.

Mito número 2 - O crack transforma as pessoas em criminosas, incapazes de refletir sobre a consequência de seus atos.

A verdade - O vício aumenta sim a taxa de roubos, mas metade dos dependentes tem emprego fixo e não comete crimes.

Mito número 3 - Crackeiros tornam-se incapazes de encontrar prazer fora do crack. Escravos da droga, não têm motivação para mais nada.

A verdade - Pesquisas mostram que dependentes de crack são capazes de responder a outros estímulos, se houver uma alternativa atraente.
Imagem: Creativecommons/ Marcos Gomes- na cracolândia

Publicado em julho/2014
Link original: http://super.abril.com.br/cotidiano/crack-tudo-sabiamos-ele-estava-errado-810501.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=twitter&utm_campaign=redesabril_super

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Por que o investimento estrangeiro se sustenta no Brasil?


Ruth Costas Da BBC Brasil em São Paulo
18/11/2014 - BBC Brasil

Apesar de dados que têm despertado o pessimismo de analistas e de uma parte da sociedade, a economia brasileira continua atraindo o interesse de alguns investidores estrangeiros - uma contradição aparente que encontra explicações no longo prazo.
Animados, Phil Popham, diretor de marketing da Jaguar Land Rover (JLR), e Terry Hill, diretor do grupo para a América Latina, descreveram no Salão Internacional do Automóvel, no mês passado em São Paulo, os planos da empresa para a construção de uma fábrica em Itatiaia e as perspectivas de negócios no país.
"O segmento de carros premium continua a crescer apesar da desaceleração", explicou Popham. "Além disso, nosso foco é no longo prazo."

A fábrica da JLR no Brasil será a primeira totalmente controlada pelo grupo fora da Grã-Bretanha e começará a fabricar o Land Rover Discovery Sport em 2016. A estimativa é que custe R$ 750 milhões e crie, inicialmente, 400 empregos - número que poderia dobrar em alguns anos.
O grupo não parece ser o único a olhar para além do atual estado de quase estagnação da economia brasileira - que deve crescer em torno de 0,3% este ano, segundo as projeções do mercado.

Surpreendemente, apesar da desaceleração, o fluxo de Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) para o Brasil continua em patamares relativamente elevados.
Nos últimos 12 meses, tal fluxo atingiu US$ 66,5 bilhões, segundo dados do BC - mesmo nível de 2011, quando o Brasil ainda era o queridinho entre economias emergentes. Em 2010, quando o PIB se expandiu 7,5%, o IED ficou na casa dos US$ 48 bilhões.

Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) parecem confirmar o fenômeno. De acordo com a Cepal, o IDE para o Brasil aumentou 8% de janeiro a agosto na comparação com 2013. Já na região como um todo, os investimentos estrangeiros caíram 23%.

O caso do setor automobilístico chama a atenção também porque ele parece ter sido um dos mais rapidamente afetados pela freada do PIB.
As vendas caíram 8,9% este ano sobre o mesmo período de 2013 e os pátios cheios se tornaram a imagem-símbolo do desaquecimento econômico. O setor também teria fechado 12 mil postos de trabalho nos últimos 12 meses, segundo o IBGE.

Ainda assim, também no Salão do Automóvel, tanto a BMW quanto a chinesa Chery Internacional apresentaram modelos de carros a serem produzidos em fábricas recém-inauguradas no Brasil.
E a Geely Automobile, também chinesa, confirmou que está estudando a abertura de uma montadora no país embora, como ressalta Rodrigo Baggi, da consultoria Tendências, "ao menos no curto e médio prazo, haja dúvidas sobre se haverá demanda para tanto carro".
O que explica a resiliência desse interesse estrangeiro pelo Brasil?

Planejamento

Parte desses investimentos foi planejada anos atrás, quando o crescimento brasileiro ainda empolgava, como nota o economista Caio Megale, do Itaú-Unibanco.
"Mas isso só explica uma parte da história", diz Megale. "O mercado brasileiro de fato tem algumas características que tem ajudado a sustentar o interesse estrangeiro. Somos uma democracia estável e a economia ainda apresenta fundamentos sólidos, por exemplo."

Número de grifes de luxo no Brasil dobrou nos últimos cinco anos.
Irene Mia, diretora para América Latina e Caribe da Economist Intelligence Unit, concorda. A EIU tem planos de abrir um escritório em São Paulo até o final do ano, para "melhor servir seus clientes brasileiros e estrangeiros focados no Brasil".
"O crescimento não é o único critério usado pelos investidores para tomar suas decisões de investimento. A atratividade do Brasil para o IDE permanece enorme ", diz ela.
Economistas e analistas econômicos costumam apontar pelo menos dois fatores que estariam por trás da atratividade do mercado brasileiro.

O primeiro estaria ligado à escala desse mercado, que estimularia as empresas a pensarem "no longo prazo" no que diz respeito ao Brasil.

"O mercado de cosméticos brasileiro é o terceiro maior do mundo, o automobilístico é o quarto maior e o de laptops, o terceiro", diz Olavo Cunha, do Boston Consulting Group.
"Muitas multinacionais sentem que precisam ter um plano para o Brasil para os próximos dez, vinte anos. E mesmo aquelas que já têm uma forte presença no país, como a Nestlé ou a Unilever, por exemplo, precisam fazer investimentos para manter sua fatia do mercado no longo prazo."

Mobilidade social

Nos últimos anos, as dimensões do mercado brasileiro ainda teriam sido reforçadas pelo processo de expansão da Classe C. Milhões de brasileiros deixaram a pobreza para serem incluídos nessa nova classe de consumidores. E embora esse processo tenha sido freado pela desaceleração, continua em curso.

Além disso, como as taxas de desemprego continuam em patamares historicamente baixos, ao menos até agora a desaceleração ainda não chegou a afetar de forma drástica a vida e hábitos de consumo da maioria dos brasileiros, segundo os analistas.
Outro fator que fomentaria o interesse estrangeiro pelo Brasil é que alguns nichos da economia brasileira - e algumas regiões geográficas do país - ainda estão crescendo em um ritmo relativamente acelerado.
O setor de petróleo e gás, por exemplo, continua a atrair a atenção de investidores - embora o escândalo de currupção da Petrobras possa deixar sequelas.
A área de infra-estrutura também seria promissora, segundo Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet).
"Há um enorme potencial para se atrair aportes nessa área, mas para isso o governo precisa garantir um ambiente regulatório favorável", diz ele.

O mercado de bens de luxo é outro exemplo. De acordo com um relatório da McKinsey, o número de grifes estrangeiras com presença no Brasil dobrou nos últimos cinco anos.
Ainda assim, as três principais marcas de luxo no país têm apenas 0,3 lojas para cada milhão de clientes em potencial - contra 4 lojas na China.

No caso dos carros premium, a JLR prevê que eles possam aumentar sua participação de 2% para 4% ou 5% do mercado de automóveis no Brasil até 2020. Na Europa, essa participação é de 10% e há pouco espaço para crescimento.
Mesmo entre os modelos populares, associações do setor acreditam haver espaço para uma expansão do mercado automobilístico no longo prazo.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), por exemplo, projeta que, até em um cenário pessimista, a frota de automóveis no país deve dobrar nos próximos 20 anos.
"Para completar, as empresas estrangeiras também estão lentamente descobrindo o potencial de crescimento das cidades médias e interior do país", diz Baggi, da Tendências.
"Impulsionadas por recursos do agronegócio, algumas dessas cidades estão se tornando uma nova fronteira de consumo"

Alta lucratividade

Para Marcos Troyjo, Co-Diretor do BRICLab na Universidade Columbia, há ainda um outro fator por trás da atratividade do Brasil para investidores estrangeiros.
"Um carro que custa US$ 15 mil nos Estados Unidos pode ser vendidos no Brasil pelo dobro ou o triplo", diz ele.

O preço mais alto compensa, em parte, os custos da carga tributária mais elevada, a complexa burocracia do país e os problemas ligados à falta de infraestrutura.
"Mas as margens (de lucro) também são maiores. As empresas são obrigadas por barreiras protecionistas a produzir no país para acessar o nosso mercado doméstico. Mas, uma vez aqui, elas também acabam protegidas da concorrência externa", diz Troyjo.
"Quem perde, mais uma vez são os consumidores brasileiros."

Segundo Troyjo, 2015 será decisivo para definir as tendências nos fluxos de IDE para o Brasil nos próximos anos.
"Se o governo começar a fazer as reformas e correções de rumo na política econômica vistas como necessárias para a retomada do crescimento, os investidores devem responder positivamente. Se o sinal for contrário, opina. podem começar a repensar até sua estratégia de longo prazo para o país", opina.