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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Campus Party 2010


Várias tribos conectadas há um único meio
Por Rodolfo Avelino

Assim aconteceu mais uma edição da Campus Party, no Espaço Imigrantes em São Paulo, foi o maior evento de internet do Brasil e um dos maiores do mundo. Nesta terceira edição quatro grandes macro temas estiveram em discussão. Além da banda larga pública, aconteceram também discussões sobre Reforma do direito autoral; Marco Civil de direitos na Internet e Direitos Humanos na Internet. Celebridades como Gilberto Gil, Marcelo Tas, MV Bill e Beatriz Tibiriça, participaram dos debates.

Os campuseiros (nome batizado para os participantes que ficam acampados durante o evento), pouco participavam destas discussões. A grande atração do evento ficou por conta do link de 10 Gbps disponibilizado para os participantes. Além desta conexão para a internet, uma outra rede de compartilhamento (P2P) de arquivos, foi criada entre os campuseiros. Nesta rede era possível encontrar seriados de TV completos como House, Todo mundo Odeia o Cris e Os Simpsons, e filmes como Avatar e Alvin e os esquilos. No último dia do evento esta rede compartilhava aproximadamente 60 TB de dados.

O evento é dividido em duas áreas, uma reservada aos campuseiros, aonde a conexão de internet e as discussões aconteciam, e uma área pública aonde algumas empresas realizavam a exposição de seus produtos e serviços. Nesta área pública também estava instalado o batismo digital. O batismo digital tem como objetivo possibilitar o primeiro acesso digital a pessoas que ainda não tiveram a oportunidade de ter acesso a este mundo digital. Neste ano esta área não estava em destaque. Nas duas últimas edições, existia uma grande circulação de pessoas nas atividades propostas, mas este ano não foi possível presenciar o sucesso dos anos anteriores. Talvez seja devido a localização do evento, o centro de convenções imigrantes não oferece muitas possibilidades de transporte.

Este ano o evento teve um aporte financeiro importante das grandes empresas de tecnologia. Além da Telefônica, a grande patrocinadora, empresas como Microsoft, Mercado Livre e Locaweb, fizeram um marketing agressivo, distribuindo vários brindes, incluindo viagens para o exterior.

Posso afirmar que o evento se tornou de elite. Os altos valores para ser um campuseiro é uma barreira para quem pretende participar e conhecer as novas tendências da internet. Os debates, palestras e mini cursos oferecidos pela organização, chamam pouca a atenção dos campuseiros. Mas a grande atração do evento fica por conta da internet, aonde tribos, comunidades, profissionais e estudantes se conectam por meio de uma grande rede social.

Comentário meu: José Adriano M C Marinho
Infelizmente não podemos afirmar que existe uma política consistente de inclusão digital, e quando há ações com este foco por parte do “Estado” e ou de organizações não governamentais, se perdem no tradicionalismo do próprio processo vinculado ao nosso sistema educacional, procuram “ensinar word, excel, powerpoint, etc... para adolescentes e jovens que confirmadamente já acessam as redes sociais e MSNs da vida e escrevem com um linguajar próprio; alguns termos já começam a surgir e serem analisados como “erros” ortográficos nas provas e trabalhos escolares. Quando na verdade este tradicionalismo além de não conseguir acompanhar a velocidade do encontro dos jovens com a tecnologia da informação, muitas vezes escondem computadores a sete chaves sob salinhas cheias de grades, onde nem os professores usam, nem os alunos tem acesso. Enquanto isso, “para o bem ou para o mau”, as lan houses, se ampliam em lugares que nem o Estado tem chegado. Esta é uma verdade que não pode ser negada. Outro aspecto importante é o interesse real das grandes empresas na expansão dessa tecnologia, em especial modo as ligadas em telefonia móvel, outro ponto pouco ou nada abordado no processo de reverter o uso da tecnologia para uma ação de construção democrática de conhecimento, e que no final são apenas cifras para estas empresas; ainda assim são um sinal importante de para onde estão seguindo estas tendências. Aquilo que anos atrás era impossível se quer no imaginário, hoje cabe na palma da mão e pode ser pago em 12 vezes sem juros com o seu “Bolsa Família”. Só o Estado ainda não deu o real valor a esta nova revolução tecnológica. Pois isso não é apenas uma revolução da tecnologia em si, mais também das formas de se relacionar, e mais ainda das formas como as classes sociais antes alijadas desses avanços, hoje considerada consumidor preferencial desse mercado, com condições inclusive de alterar a balança comercial brasileira e possibilitar ao país passar pela crise financeira internacional sem muitos abalos. Todas estas feiras, encontros, congressos, demonstração dos novos rumos da tecnologia, em especial da comunicação, devem ser como se recente o amigo Rodolfo, mais acessível para a presença e participação dos “Pagãos” carentes do batismo digital...



Rodolfo Avelino
É Professor da Universidade Cidade de São Paulo, consultor de projetos
de qualificação profissional, segurança da informação e Software Livre.
É educador da ONG Coletivo Digital, onde desenvolve o trabalho de
inclusão digital e capacitação em Software Livre. Coordenou a
Cooperativa de Produção em Tecnologia da Informação em Software Livre
Cooperjovem, onde desenvolveu um trabalho de geração de renda com jovens
da Zona Leste de São Paulo. Coordena o Congresso Internacional de
Software Livre (CONISLI). Nas horas vagas escuta música e faz algumas
mixagens.
Saiba mais em http://www.rodolfoavelino.com.br/

sábado, 13 de fevereiro de 2010

A Situação dos Direitos Humanos da população em situação de rua do centro de São Paulo




1. Contextualização da situação da população de rua

Muitas pessoas ainda insistem em conceituar pessoas em situação de rua como "mendigos", porque pouco se fala sobre esta realidade nos grandes meios de comunicação. O termo "mendigo" sugere soluções assistencialistas, e quem conhece a realidade das vidas das pessoas em situação de rua não aceita este conceito.

Segundo estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe-USP), intitulado "Estimativa do Número de Pessoas em Situação de Rua da Cidade de São Paulo em 2003", a cidade contava com cerca de 10.400 pessoas morando nas ruas (foram consideradas também as populações presentes nos albergues). É importante ressaltar que tudo leva a crer que este número vem aumentando nas últimas décadas. Um levantamento realizado pela prefeitura de São Paulo em maio de 1991 nas administrações regionais mais centrais (Sé, Lapa, Pinheiros, Mooca, Penha, Ipiranga, Vila Mariana e Santana, que concentram a maior parte da população de rua) identificou 3.392 pessoas em 329 pontos de pernoite.

A pesquisa da FIPE de 2003 mostra também que a maioria deste segmento é composta por homens cerca de 87% frente a uma proporção de 13% de mulheres, parcela que sofre mais ainda com as condições de vida na rua. A maior parte desta população encontra-se em idade economicamente ativa (18 a 55 anos) e em idade madura (26 a 55 anos), como se vê na tabela abaixo. Nota-se, porém, que há uma proporção significativa de grupos etários mais vulneráveis, como crianças e adolescentes (3%) e idosos (cerca de 14%).

Como se sabe, a população de rua se abriga em logradouros, mocós, casarões abandonados, postos de gasolina, cemitérios, carrinhos de catar papelão e outras formas improvisadas de dormida.

Quem vive nessa situação passou pelo rompimento de vínculos familiares e afetivos, pelo desemprego, pela migração na busca de sobrevivência, numa seqüência de perdas que acaba impedindo ou dificultando sua reintegração à sociedade.

Depoimento do Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua: "É dramático ver isso. A força de trabalho, gente trabalhadora, simples também, que são lutadores, executando uma obra que é o símbolo do higienismo, da intolerância, da falta de política pública, da falta de assistência social, da falta de sensibilidade humana".

A vida na rua leva ao esquecimento da identidade, ao anonimato, à solidão e à vulnerabilidade quanto à dependência química, que acaba por se agravar por falta de atendimento público especializado para essas pessoas, principalmente em relação à saúde mental e ao envolvimento com álcool e outras drogas.

Se a implementação da Política de Atenção à População de Rua encontrou obstáculos na gestão da prefeita Marta Suplicy (2001-2004), a atual gestão de Serra-Kassab não a vê com interesse e prioridade.

Diversas iniciativas no centro da cidade de São Paulo, como as operações de limpeza nos bairros da Luz e do Glicério e as ações de repressão ao comércio ambulante, acabam por afetar a população em situação de rua. A Guarda Civil Metropolitana, que também age contra as pessoas abrigadas nos locais das operações, tem superado os limites do que deveria constituir-se numa "abordagem social" do problema.

Outras ações do governo municipal, como a construção das rampas de concreto na confluência das avenidas Doutor Arnaldo e Paulista, bem como muros de alvenaria vedando os baixos de viadutos, são tocadas sem atendimento à Política Municipal de Atenção à População de Rua. Neste sentido, observa-se que as pessoas são expulsas de seus "abrigos" e vão se "abrigar" no outro lado da avenida até que nova rampa seja construída.

Entre outras ações, a atual gestão municipal também pretende "descentralizar" o atendimento à população de rua, trabalhando na perspectiva de fechar equipamentos e albergues nos bairros centrais e abrir outros nas periferias, demonstrando coerência com um projeto de substituição de classes sociais, contrariando o direito à cidade e à função social da cidade.(1)


(1) Referência à Carta Mundial pelo Direito à Cidade, que vem sendo discutida e pactuada em diversos países do mundo, e ao Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001).

(leia o texto completo em: http://docs.google.com/fileview?id=0B3bEuXYCJPTeNTdjZTI4MjctNzgwZC00MDM1LWI4OWQtMTIzNzJhZGM2Mjk1&hl=pt_BR)

Trabalho e População Em Situação de Rua no Brasil



Ausência de moradia e abandono são uma constante na vida das grandes cidades, a junção destes dois termos em uma unica frase trás a tona uma das mais debatidas e trabalhadas questões sociais do Serviço Social, "A situação dos Moradores de Rua". Maria Lucia Lopes da Silva é assistente social, mestre e doutoranda em política social e lançou em julho de 2009 seu livro, Trabalho e População Em Situação de Rua no Brasil, pela Editora Cortez. A autora analisa dez anos de transformação nas relações de trabalho e entende a pobreza como um fenômeno social inerente ao sistema político-econômico vigente. Com larga experiência do tema ela viajou o Brasil promovendo debates com a população em situação de rua, ouvindo suas reivindicações e estudando alternativas. Confira a entrevista ao Portal Setor3 que reproduzimos a seguir (essas e outras entrevistas visite o site www.setor3.com.br).

Portal Setor3: Você diz em seu livro que o mercado de trabalho sofreu profundas transformações a partir do final do século passado e que ele ocupou o centro dessas mudanças. Quais foram elas?

Maria Lucia Lopes da Silva: O trabalho é central na organização da sociedade. No capitalismo avançado a relação capital-trabalho sempre foi determinante de outras relações sociais. Do final do século passado para o início deste novo milênio nós percebemos que o trabalho assalariado saiu da rota em que estava tendo universalização de acesso. Depois da década de 1970 o capitalismo entra numa crise, com a elevação do preço do petróleo e uma série de outras condições. O mercado financeiro internacional entrou em colapso e ocorreu uma reordenação dos papéis do Estado, um processo de reestruturação produtiva. Também aconteceu uma supervalorização do capital financeiro em detrimento do capital produtivo. O que eu quero dizer? Que o crescimento econômico e o lucro, ao invés de se darem pela ampliação do número de emprego com a criação de novas fábricas, de novas unidades de produção, na realidade, aconteciam mais por ganhos financeiros, como investimentos em poupanças, bolsas e ações. Esse é um fator que pesa muito nas mudanças do trabalho, porque diminui a oferta de vagas. Os grandes empresários e investidores passaram a não investir mais na ampliação de oportunidades. Ao contrário, eles passaram a ter lucro a partir da “financeirização” do capital.

Portal Setor3: O que foi a reestruturação produtiva?

M.L.L.S.: A reestruturação produtiva se deu assim: alto investimento em tecnologias avançadas. A microeletrônica passou a ter importância em todo o processo de produção e comercialização. Por exemplo, todo o serviço de vigilância passa a ser feito por câmeras, ao invés de ser feito por trabalhadores. Surgiu a robótica, a informática e passamos a ter comercialização via internet, telefone, diminuindo os postos de trabalho. Além disso, o Estado passou a diminuir a sua intervenção na economia. Antes esse ator era responsável pela produção de bens e serviços, como escola, energia elétrica, mas ocorreu o processo de privatização das empresas. No Brasil, por exemplo, a telefonia toda foi privatizada, como o caso da Vale do Rio Doce. Com isso o Estado diminuiu também o seu poder de oferecer vagas e bens e serviços importantes. Essas mudanças de função desse ator, associada à reestruturação produtiva, deixa uma massa excludente do mercado de trabalho.

Portal Setor3: Isso você chama de superpopulação relativa?

M.L.L.S.: É.

Portal Setor3: Posso dizer que essa nova crise financeira traz uma nova reestruturação produtiva, na medida em que se observa uma tendência maior de terceirização do trabalho?

M.L.L.S.: Não. O que a gente pode dizer é o seguinte: a reestruturação produtiva, que ocorreu no final da década passada, veio associada a uma valorização do capital financeiro. Essa atual crise irá impactar mais o capital produtivo e aprofundar o desemprego. É uma tendência. Com isso teremos outros tipos de trabalho, que passaram a surgir sem proteção social, sem vínculo duradouro, sem direitos. Cresceu o mercado informal. Tem que se pensar numa nova forma de envolver essas pessoas. Enquanto isso a população excluída aumenta e os problemas surgem.

Portal Setor3: Essa superpopulação relativa, então, seriam as pessoas que não se enquadram nessa nova relação?

M.L.L.S.: É. São as pessoas que têm condições de trabalhar, mas que não têm oportunidade. Por exemplo, a indústria têxtil fechou muitas fábricas aqui no Brasil, sobretudo na região sul. Aquelas pessoas que estavam trabalhando na indústria têxtil ficaram sem espaço. Muitas tinham um tipo de especialização, como os alfaiates que ficaram a mercê de uma nova vaga que não aparece. Mesmo se requalificando, a concorrência está sendo cada vez maior. Aumenta o desemprego. Essas mudanças todas provocaram o aprofundamento da pobreza, das desigualdades, a concentração de renda, direcionando para uma situação caótica. A partir daí, foi surgindo o fenômeno da população em situação de rua.

Portal Setor3: Você fala em seu livro que a presença dessa população se tornou mais expressiva nos últimos tempos. Isso porque ela cresceu ou porque se organizou em movimentos como o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e começou a incomodar a classe média e a sociedade em geral?

M.L.L.S.: Na realidade ela começou a ser mais expressiva porque se expandiu.

Portal Setor3: Como você constatou essa expansão?

M.L.L.S.: Quando ela começa a crescer, os governantes e a população, de um modo geral, percebem, porque ela está no meio da rua. Essa presença começou a provocar uma reação dos governos, que fizeram pesquisas e começaram a contar. Nesses cálculos, eles levantaram alguns fatores. Um deles era o tempo que as pessoas estavam nas ruas. Nos estudos realizados no final da década de 1990, a grande maioria possuía até um ano nessa situação. Atualmente está crescendo o número de pessoas com mais de cinco anos. Isso mostra que aquele foi o momento que o fenômeno se expandiu. Analisei oito censos, entre 1995 e 2005, e comparei com outro feito em 71 cidades do Brasil, nos anos de 2007 e 2008, confirmando todo o levantamento que estava fazendo e, portanto, a grande explosão do fenômeno. Ao mesmo tempo, as pessoas em situação de rua começaram a reagir a partir da articulação de algumas entidades. Isso fez com que se transformasse numa expressão da questão social, que chama atenção. São os dois fatores juntos: a expansão e a forma de se manifestar na sociedade.

Portal Setor3: Além da subsistência, qual é ou deveria ser a função do trabalho na vida das pessoas?

M.L.L.S.: O trabalho cumpre dois papéis fundamentais. Um é de garantia da subsistência e o outro é o de trazer prazer, a vontade de viver. A pessoa vai se sentindo útil, na medida em que contribui com a produção de bens e de relações importantes para a sociedade. Eu parto da avaliação de que o trabalho tem um sentido de ser útil e de possuir um valor. O que eu quero dizer é que como atividade técnica, caracterizada como trabalho, é uma coisa que todos nós desenvolvemos na transformação de objetos que são úteis. Isso faz com que a gente se sinta valorizado, nos dá prazer. É quando a gente consegue desenvolver nossas habilidades e aplicá-las. O trabalho também propicia a você criar relações sociais, porque a produção nunca é feita isoladamente. Nunca faço sozinho, sempre preciso de uma cadeia que termina criando as relações. Essas são indispensáveis na vida das pessoas, fundamentais para convivermos em sociedade. Por isso ele é central e determinante das relações sociais. Tudo gira um pouco em torno do trabalho. Os direitos que você passa a ter, o acesso a clubes, lazer. É por isso que ele é o sonho, a esperança e a expectativa de todos, independente da forma de trabalho.

Portal Setor3: Em algum momento histórico, ou sociedade específica, o trabalho foi eleito como função social, considerando mais o prazer, a realização pessoal do que a subsistência?

M.L.L.S.: Não. Na minha análise não consideraria isso, mas acredito que esse é o grande objetivo, a grande luta. Eu, particularmente, luto muito por essa sociedade. Se não houvesse uma diferença social tão grande, se todos nós tivéssemos acesso ao básico para viver, não teríamos que nos submeter a qualquer tipo de trabalho para garantir a subsistência. Dessa forma, penso que a gente alcança. Mas não acredito que a gente já tenha alcançado. Temos algumas experiências como, por exemplo, a Suécia. A desigualdade social desse país é bem menor do que no Brasil. As pessoas lá têm o básico, o Estado assegura um nível de vida razoável e há uma possibilidade de escolha, sim, de determinadas profissões, mas não num ponto tão... máximo de dizer o seguinte: “ele é só o prazer, eu busco o trabalho pelo prazer e somente isso”. A gente ainda não conseguiu e eu acho que essa é a grande luta do ser humano.

Portal Setor3: Isso não geraria outra crise? Por exemplo, nos países europeus, há mão-de-obra estrangeira, que ocupa trabalhos não desejados pela população local que se aproveita da situação irregular desses imigrantes. Nesse contexto, quando determinada sociedade atua em que quer e o outro faz o trabalho pouco atraente, há uma situação de exploração. Será que é possível ter equilíbrio?

M.L.L.S.: Acredito que seja possível sim. Se você tem tudo para viver o trabalho que vai querer fazer, é de fato aquele que você mais gosta. Então nós vamos ter pessoas que vão gostar, por exemplo, de ser gari, em determinados lugares, como a gente tem hoje muitas pessoas que se dedicam ao trabalho de reciclagem. 43% da população em situação de rua atua com materiais recicláveis. Algumas pessoas, que atuam nesse campo, não estão necessariamente em situação de rua e fazem isso por uma escolha. Elas gostam de entender esse mecanismo, de estar lá, de ver, de descobrir e de querer, de fato, contribuir com o meio ambiente, com a sociedade. Isso é uma escolha. Não acho que vai ter um trabalho menos valorizado do que o outro, como acontece hoje.

Portal Setor3: Em determinado trechoda publicação, você aborda que a força de riqueza no capitalismo contemporâneo continua sendo o trabalho não pago. O que é o trabalho não pago?

M.L.L.S.: O trabalho não pago é o que a gente chama de mais valia. Eu vendo a minha força de trabalho para alguém. Quando uma pessoa contrata outra por um salário mínimo está pensando naquele tempo médio, mas muitas vezes alguém tem a capacidade de produzir tão rápido, que cria uma forma intensa de trabalho. Aquele resto de trabalho não pago é o que vai trazer lucro para a pessoa que o contratou. A intensidade, os métodos e os procedimentos de trabalho que são criados hoje, como a internet, faz com que a gente produza 300 vezes mais a cada momento. O trabalho não pago termina sendo o lucro. É isso que move ainda o capitalismo.

Portal Setor3: Em outras palavras, é a exploração?

M.L.L.S.: É a exploração. É a mais valia.

Portal Setor3: Você fala que o desemprego é útil à manutenção do capitalismo. O livro tem a intenção de ser uma crítica ou ele acabou sendo?

M.L.L.S.: O desemprego é inerente ao sistema capitalista. A gente nunca viveu na história do capitalismo o pleno emprego. Chegamos ao quase, mas não o alcançamos. Porque se a gente conseguir não vai existir condição para o próprio capitalismo administrar, a partir da oferta e da procura, a sua lucratividade. O tipo de exploração que os capitalistas podem ter é pela oferta grande de mão-de-obra. É uma crítica sim à exploração, à sociedade. Sem dúvida o livro é. A situação de rua é vista como uma coisa que decorre da própria personalidade de um indivíduo e não como resultado da relação capital-trabalho. Eu quis fazer uma análise mostrando que esse fenômeno é resultado de uma relação estrutural. Tem outros fatores que afetam, mas a própria sociedade capitalista gera esse fenômeno. Claro que o livro termina sendo uma crítica a essa forma de sociedade, que termina gerando essas situações de vida subumana.

Portal Setor3: Na sua avaliação, qual seria a solução para resolver o desequilíbrio social que gera a população em situação de rua? Reformar o capitalismo? Optar por um novo sistema, seria o socialismo?

M.L.L.S.: Quando eu digo que a população em situação de rua decorre da condição sinequanon (sem o qual não pode ser) do capitalismo, é claro que digo também que as políticas sociais podem minimizar esse fenômeno. Mas ele só deixa de existir se passar a ser uma sociedade sem classes, em que a relação de exploração não vai acontecer. Portanto, é claro que eu defendo e acredito que esse fenômeno só será erradicado com um novo modelo de sociedade. Penso que o novo modelo é uma sociedade socialista, sim. Não tenho a menor dúvida. Entretanto, creio que na sociedade capitalista a redução das desigualdades pode ocorrer por meio das políticas públicas estruturantes, porque são instrumentos de redistribuição de riqueza. Sem dúvida, elas podem influir na redução desse fenômeno.

(entrevistas publicada em 04/08/2009 no site www.setor3.com.br)