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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O Método

Yolanda Guerra, já sinalizava em seu livro “Instrumentalidade do Serviço Social”, a necessidade de compreendermos com profundidade, não só a realidade conjuntural em, que vivemos, mais apontava que esta realidade é parte do sistema capitalista, que por natureza traz em si a desigualdade expressa na “Questão Social” como condicionante de sua existência; ou seja para existir o capitalismo é necessário algum grau de desigualdade, é situação “si ne qua non”. Logo o profissional de Serviço Social, comprometido com as garantias ético-politicas, teórico-metodológicas e técnico-operativas inscritas nos princípios do seu “Código de Ética”, precisa ter por premissa que todo e qualquer instrumento e ou instrumental que utilize, está também condicionado a sua existência dentro desta realidade conjuntural de desigualdade capitalista; bem como nossa própria ação e prática profissional também o é. Guerra, nos provoca como profissionais comprometidos com a mudança, e analisar a fundo os objetivos e finalidades das instituições em que estamos inseridos, tanto quanto os instrumentos, métodos e teorias que utilizamos para efetivar tal mudança, pois do contrário, ainda que “inconsciente”, mesmo imbuídos de um discurso “critico” acabamos por reforçar o processo de desigualdade inerente aos objetivos originais do capital.

Entendendo que muitos dos nossos instrumentos são “pré-existentes”, assim como as instituições nas quais estamos inseridos, compreender seus “reais” objetivos nos dá condições de desdobrar os limites e possibilidades da atuação profissional, direcionados por um olhar e reflexão que constrói a mudança com os recursos disponíveis na ação, e na institucionalidade; promovendo de forma criativa a releitura do instrumento e assim como do método. Peguemos como exemplo uma cadeira, só para ser simples, é fato que foi feita para sentar; se eu quiser usa-la com outro objetivo que não seja sentar, é bom que eu compreenda os limites e possibilidades de um objeto que foi feito para sentar sendo utilizado para outra finalidade. Deste modo, posso utilizar a cadeira para outro objetivo, por exemplo, como “plataforma” para trocar uma lâmpada? Claro que sim..., bom depende do tipo de cadeira, do material de qual é feita, do “objetivo para o qual foi feita”, ou seja a cadeira é um objeto “Intencionado”, foi feito com uma “Intenção”, então para que eu possa “Instrumentaliza-la” e propor uma nova “Intenção” sobre ela, é necessário compreender a fundo sua finalidade original; evitando que o uso indiscriminado do “objeto” me leve a experiências desagradáveis, e fora do meu controle, bem longe daquilo que eu “objetivava fazer”, assim ao invés de eu usar o objeto, ele é quem me usa.

Não cabe aqui o espanto, isso é muito comum no dia a dia profissional, por este mesmo motivo é que é cobrado e necessário, uma reflexão constante da relação “Teoria e Prática” na formação profissional, para que em momentos como esse, que não são poucos, possamos estar atentos aos “novos instrumentos” propostos em nossas instituições, atentos para os “métodos mágicos” que resolverão todos os ´problemas do nosso dia a dia de trabalho. Recentemente em um determinado municipio os tecnicos foram “apresentados”, a uma proposta, aprovada pela gestão; de aproximação e apropriação do “território” pelos CRAS. Ressaltando, que de fato aproximar-se e apropriar-se do “território” é de fundamental importância para o trabalho dos CRAS, conforme dispõe a Política de Assistência Social. No entanto na raiz da proposta, encontra-se como base metodológica de intervenção, o “Método Ver, Julgar e Agir”; para quem não conhece ou não se lembra trata-se de um instrumental de Analise, Planejamento e Ação muito utilizado pela Igreja Católica nas décadas de 1970 e 80, em especial modo pelos Grupos da Pastoral de Juventude e Comunidades Eclesiais de Base. O que em última análise não lhe tira o mérito.

Na ação desses grupos, buscava-se as orientações e instrumentos para a organização e o trabalho com jovens na Igreja no Método Ver, Julgar e Agir (Rever e Celebrar – Etapas acrescidas em uma reedição do livro original) do Padre Jorge Boran, descrito em seu livro "Juventude o Grande Desafio", de 1980. A dinâmica é o trabalho com pequenos grupos de jovens, onde estes pudessem se conhecer e tornar-se também um grupo de vivência comunitária e participação social, segundo os princípios cristãos da Igreja Católica; os Grupos de Base.

O Método Ver, Julgar e Agir, Rever e Celebrar; é um método criado para auxiliar grupos juvenis a objetivar sua ação dentro do espaço pastoral e social, uma forma de planejamento: O Ver, é definido como o momento em que o Grupo "olha", "levanta" a realidade que o cerca, com o máximo de detalhamento possível. O Julgar, seria confrontar esta realidade levantada com os fundamentos éticos, morais, religiosos e sociais do Grupo, no sentido de efetivar uma análise da realidade e construir possibilidades de ações que a modifiquem ou não segundo o "julgamento" do Grupo. O Agir, é a efetivação desse julgamento, percebendo que neste momento é que se faz um Plano de Ação; logo fazer este plano, dentro do método já é considerado área do Agir. Por fim, tem ainda o Rever, que é o momento de avaliar todo o processo, e o Celebrar, que, principalmente, dentro de um espaço eclesial, é um momento não apenas de ritual mais também de comemoração do que se aprendeu com as experiências possibilitadas durante toda a ação.

Estas etapas do método, são apresentadas deste modo “didático” para facilitar a compreensão de suas características próprias e sua integração no conjunto do método, no entanto, sua operacionalização na Pastoral da Juventude, era algo apreendido em todos os momentos de interação nos grupos, onde as etapas não se apresentavam desta forma, passo a passo, mais de um modo dinâmico e cíclico.

Bem, compreendamos agora este “Método” que ancora a proposta de “aproximação dos CRAS com o território”, como sendo a “cadeira” a qual usei como exemplo acima: Este “Método”, sem perder seus méritos, respondem a uma determinada realidade, dentro de um determinado momento histórico. Podemos ainda apontar que seus procedimentos conduzem o “usuário do método”, para uma análise de cunho moral e estigmatizante do território, e por conseguinte da população que a habita; promovendo um julgamento centrado no indivíduo e não na realidade conjuntural sobre o qual está submetido dentro da sociedade capitalista, ora vitimizando-o, ora cupabilizando-o e quando muito propondo que o processo de “mobilização de atores locais”, designe ações coletivas para solução dos problemas “INIQUIDADES SOCIAIS" conforme descrito na proposta apresentada. Como se estes moradores fossem eles os únicos responsáveis para efetuar este enfrentamento. Por fim, a aplicação “strictu sensu” do “Método Ver, Julgar e Agir”, contribuirá para que o CRAS e o “Estado” que ele representa, “Instrumentalize” o território, não para um processo de autonomia, mais de dependência da ação desta Política.

Assim como no caso da “Cadeira”, a utilização sem reflexão teórica deste método, contribuirá com certeza, para que ao invés de construirmos uma relação de autonomia e cidadania por parte dos moradores do território; poderemos de fato contribuir para ampliação e fortalecimento das desigualdades sociais e na dependência do Estado. Por fim ressalta-se que esta experiência, aplicada ao serviço público na área de saúde, contribuiu em muito para constituição e desenvolvimento de “Grupos de Terapia Comunitária”. Estes grupos, utilizando de métodos e instrumentais dos mais diversos, e de forma quase sempre “ecléticos”, são espaços de preocupação para os CRESS e o CFESS, que rechaçam esta prática que nada se identifica com o Serviço Social, tão pouco com seu projeto Ético Político.

Este exercício reflexivo sobre as contradições, métodos, instrumentos, instrumentais e a instrumentalidade da prática do Assistente Social, nada fácil no cotidiano profissional é essêncial para garantia dos Princípios do código de ética profissional, em especial modo no 6º Principio “Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero.”

Todos os princípios do Código de Ética denotam essa opção, de uma forma clara e contundente. Optar, escolher, posicionar-se frente a um problema ou situação e decidir sobre o caminho a seguir, traz uma responsabilidade e comprometimento com esta opção, melhor dizendo: “não ficar em cima do muro”. Logo busca pela liberdade, a justiça social e a democracia; afirmadas no Código de Ética significa opor-se a toda ação que leve ao contrário.

Afirmar esses valores, já é algo revolucionário, se levarmos em conta que o Código de Ética foi construído no início da década de 90, em um contexto de abertura política, e este ainda em seu processo inicial, portanto com ranços e vícios dos anos de velhos paradigmas.

É opção, mais não solta e desgarrada de um objetivo. É opção por um Projeto Profissional. O que distingue é a continua construção e reconstrução cotidiana da práxis, onde o profissional não é um ser pronto e acabado, mas um profissional em projeto, compreendendo sua inserção no movimento dialético da história. Um projeto que não se acaba em si, mas transforma-se sempre.

Opção por um projeto profissional, que em construção, interage também para a construção de uma Nova Ordem Societária.

Enquanto opção, afirma que a ordem vigente não condiz com seus valores essenciais, e portanto vinculado ao compromisso com uma nova ordem de liberdade, de justiça e de democracia.

Opção pela Não Dominação-Exploração de Classe, Etnia e Gênero. É opção pela EQUIDADE SOCIAL, pelo não prevalecimento, e por tanto, opção pelos excluídos. Este princípio determina o tipo de relacionamento social a ser estabelecido por este projeto profissional, numa nova ordem social.

Ao fazermos a releitura deste princípio percebesse a carga de responsabilidade o agir profissional implica e solicita ao assistente social para o real compromisso no exercício de sua profissão.

Cabe a nós, profissionais de Serviço Social, e demais outras profissões que constituem os quadros da Política Pública de Assistência Social, e que vem de longa data, contribuindo para equidade, o laicismo da política como forma de garantia de direitos plenos aos cidadãos. buscar discutir e querer compreender melhor, os reais objetivos que estes Métodos e Práticas implicam, tanto para nosso papel profissional, quanto para a autonomia do cidadão.

Por: José  Adriano M C Marinho/08/2014
Professor da Universidade de Guarulhos
Professor da Universidade Anhanguera

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